Vários têm sido os autores a utilizar analogia do icebergue para explicar diversas situações do nosso dia a dia: teorias da motivação e esforço, o universo da mente humana, o comportamento…
Freud usou-a.
Marshall Rosenberg, também.
E o psiquiatra e educador austríaco Rudolf Dreikurs ligado à Psicologia Alderiana, igualmente.
Dreikurs afirma que o que o que acontece normalmente é que a nossa tendência (adultos) é a de ver e lidar com a criança a partir APENAS do comportamento visível e não olhamos para a parte de baixo do iceberg onde está o que motiva esse comportamento.
E é exatamente com essa parte que nós podemos e devemos “dialogar” se queremos ajudar a criança a regular o seu comportamento de forma efetiva.

O que vemos no comportamento das crianças é sempre o reflexo das suas necessidades que, grande parte das vezes, não são satisfeitas ou atendidas. Ou seja, tanto a birra como os outros comportamentos que as crianças comummente apresentam são 💡 espelhos involuntários de uma grande confusão interna que não conseguem gerir:
- Estou cheia de sono, não quero comer. Porque me obrigam?
- Porque é que estão a falar assim comigo, já não me amam?
- Não quero comer, quero continuar a brincar! Porque é que não me ouvem?
- Porque não me dão o que quero?
Dreikurs defende a ideia de que aquilo que qualquer ser humano procura nas suas ações é sentir-se aceite (pertencente) e importante e que, quando isso não acontece, tem tendência a manifestar um comportamento desadequado (a que chamamos de “mau comportamento”).
Devemos, por isso, ser como uma espécie de mergulhadores e dar um mergulho no oceano profundo para percebermos o que há lá em baixo.
Devemos perguntar-nos:
- O que é que esta criança me quer dizer através deste comportamento?
- Será que sente falta de mim?
- Que não se sente pertencente?
Todas sabemos (e as crianças de uma forma especial) que quando há um esforço genuíno por parte do outro para nos entender e nos apoiar estamos mais dispostas a colaborar e a procurar soluções para os problemas do dia a dia.
Acontece também que as crianças são fantásticas observadoras da realidade. Observam tudo aquilo que acontece à sua volta, mas por vezes interpretam-na de forma errada e geram um comportamento que não é adequado.
Vamos a um exemplo prático:

Uma criança é filha única há 4 anos. Está encantada da vida e vive feliz com os seus amorosos pais. Contudo a sua vida está prestes a mudar pois vai ter um irmão. No dia em que a sua mãe regressa do hospital vem com um bebé pequenino no colo que ocupa um espaço que, até esse dia, era só dela.
O que faz esta criança?
Observa.
E o que vê?
- vê que quando o bebé chora, um adulto vai a correr para o socorrer.
- vê que quando o bebé faz necessidades, vai logo alguém trocar-lhe a fralda.
- vê que quando o bebé tem fome, chora, e logo lhe dão de comer.
- vê que as visitas vêm conhecer o bebé novo e toda a gente lhe dá uma atenção especial que antes era apenas dela.
Portanto, esta criança observa a realidade e começa a sentir-se menos pertencente, menos importante.
⚠️ Necessidade não atendida: sentir-se parte da família, sentir-se importante.
Já percebeu também que se quer ser vista e quer pertencer à família, se se quer sentir querida, o que tem de fazer é aquilo que o seu irmão mais novo faz a toda a hora: chorar.
⚠️ Comportamento observado: choro.
E aqui, o que nós observamos, é um comportamento regressivo.
Se aplicamos uma estratégia que pretenda que esta criança deixe de ter este comportamento regressivo sem entendermos que o comportamento regressivo é simplesmente uma necessidade de se sentir pertencente e importante (repreendendo, por exemplo) é provável que até deixe de chorar nesse momento, mas que no dia seguinte o comportamento se repita, pois a sua necessidade e desejo não foram atendidos.
A estratégia aplicada (repreensão ou ameaça de castigo) não partiu da parte submersa do iceberg. Não teve em conta o que motivou o comportamento.

A partir do momento em que somos capazes de mergulhar e de perceber de onde vem esta necessidade de importância e pertença vamos poder intervir de uma forma efetiva.
Quando as crianças acreditam que não são aceites e importantes, adotam o comportamento de sobrevivência que é, muitas vezes, chamado de mau comportamento. Mas não é mais que uma tentativa de se sentirem aceites e importantes.